domingo, 17 de fevereiro de 2008

Dois

Tudo era dois. Munido de seu expresso, contemplava dali o mundo. Aquele onde tudo somava dois. O aroma forte do café, doce a seu modo peculiar, o envolvia e combinava perfeitamente com as notas suaves das rosas vermelhas, palavras e gestos delicados e sorrisos e olhares cúmplices que faziam parte daquele dia.


Na mesa à sua frente dois arrulhavam ao pé do ouvido coisas indizíveis, enquanto na calçada ao seu lado vários dois passavam para lá e para cá a passos lentos, trocando olhares confidentes. O sol daquela manhã amena refletia nos cabelos brancos dos dois sentados no banco do outro lado da rua – falavam em silêncio, presente do tempo só para aqueles que chegam tão longe e já não precisam mais dizer palavra.

Ele olha o relógio. Abre seu laptop sobre a mesa, hesita.



***



O escritório em polvorosa. Não bastasse o calor infernal, era sexta-feira. Aquele final de tarde parecia se arrastar em horas intermináveis, telefones tocavam em absolutamente todas as mesas. Ao seu lado, a moça falava ao telefone com alguém que lhe fazia sorrir. No corredor à direita, um dos rapazes do setor de TI abordava uma moça e, por conta do conteúdo da conversa, a moça enrubescia, tímida.

À sua frente, planilhas se multiplicavam, sem solução, na tela do computador. O telefone tocou, mas ela não atendeu. Seus olhos agora fixavam a janela panorâmica do outro lado do andar; alguém tivera a idéia de abrir as venezianas e ela via o horizonte do alto do trigésimo andar. Aquele horizonte ficava cada vez mais próximo à medida em que ela permanecia nele, e aos poucos deixou de ouvir o mundo ao seu redor. Silêncio enfim. Nada mais entre ela e aquela linha lá no fundo, a não ser aquele forte aroma de café. Ela fecha os olhos por um instante.

Quando volta à tela do computador, a janelinha laranja pisca na barra de tarefas. O tempo pára.


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